Som e imagem em movimento – Projecto Melodium (por Mariana Barros)

Imagem

Foto de Rui Crespim

Melodium (Joana Correia, Joana Inês Santos)

 

Arrisquei. Arrisquei a abordar o tema “som e imagem”, de uma forma pouco ortodoxa. Arrisco-me também a dizer que o movimento é imagem, que é algo visual, e não apenas energia cinética, massa, aceleração e todas as outras variáveis físicas que dele fazem parte. Movimento é imagem… dança é movimento… mas também imagem!

E o músico, não será também este “imagem”? A sua figura conta, atrai ou repulsa.

Posto isto, penso que aqui a imagem tem um papel tão ou mais forte como o som. Digo isto para justificar a minha abordagem do projecto do qual vou falar.

Apresento-vos o “Projecto Melodium”. Uma violoncelista e uma bailarina, juntas para interpretar obras originais do compositor André Barros. As obras são coreografadas e interpretadas pela bailarina Joana Inês Santos, e a música tocada, ao vivo, pela violoncelista Joana Correia. Cada elemento debruça-se na arte que move o projecto, ainda que, no entanto, influam criativamente uns nos outros.

O som do violoncelo dilui-se com a imagem da bailarina que corta o ar com os seus movimentos expressivos, que casam com a música na perfeição. A música, suave mas incisiva, melancólica, triste, agitada por vezes, é o cenário. O “pano de fundo” perfeito, para  a coreografia perfeita.

 

Melodium – promotional teaser tema “The day Before”.  Composição original: André Barros. Violoncelista: Joana Correia. Coreografia e interpretação: Joana Inês Santos. Filmado no Castelo de Leiria, Portugal, 2013. Filme produzido por Lua Filmes.

 

Vejo aqui uma das formas mais belas de aliar som à imagem, de despertar os nossos sentidos de formas tão sensuais, tão sensitivas. Também a propósito disso, nos dis 25 e 26 de Janeiro de 2014, os “Melodium” actuaram no Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, pela comemoração do Dia Mundial do Braille, denominando-se “À Descoberta dos Sentidos”.

 

Museu da Comunidade Concelhia da Batalha – filme promocional; “À Descoberta dos Sentidos” – Comemoração do Dia Mundial do Braille (25 e 26.01.14). Filme produzido por Lua Filmes.

 

Como podem ver no vídeo, os visitantes do museu colocaram uma venda, proibindo a visão de colaborar nas actividades sensoriais, restando o tacto, a audição, o olfacto e o paladar. Como homenagem ao cego e enaltecimento do Braille. Curiosamente, as vendas foram usadas até no momento de audição dos Melodium. Os espectadores encontravam-se incapazes de ver a violoncelista e, ainda mais representativo, de verem a bailarina. Quanto a essa, havia uma voz declamante dos movimentos da mesma. 

Imagem

Foto de Carla de Sousa (Joana Correia, Joana Inês Santos)

 

O som do violoncelo, o corpo esguio da bailarina, movimentos envolventes, a voz da violoncelista (também incorporada nalgumas obras), a própria imagem da violoncelista… como um quadro, como um videoclip, como um filme. Um despertar dos sentidos!

Este projecto é, a meu ver, uma forma de obra de arte total, em que várias artes se conjugam e fazem o espectador ter uma experiência estética completamente diferente. Algo diferente, que desafia os limites da performance.

Penso que este projecto é belíssimo, inovador… português! Numa época em que tudo é instantâneo, rápido, digital, vazio… a Arte precisa deste tipo de iniciativas, enriquecendo-se e valorizando-se. 

 

Imagem

Foto de Carla de Sousa (Joana Correia, Joana Inês Santos e André Barros)

Links:

http://www.melodiumproject.com/

https://www.facebook.com/MelodiumProject

 

Mariana Vidal Barros – A69629

 

 

Music Land: A música a sério mostrada às crianças

Imagem

http://youtu.be/KBKmkbRLXGM

 

Música e imagem sempre foi uma das melhores parcerias que existiram. Tanto uma como outra tem um valor individual muito forte, mas quando trabalham em conjunto, passam mensagens de uma maneira muito mais forte e eficaz que muitas outras formas ditas “mais diretas”.

Tendo este tema em mente, decidi reflectir sobre um certo cartoon da Disney. Porquê este em específico? Porque me foi mostrado num dos anos do meu primeiro ciclo, e causou em mim uma impressão tão forte que nunca mais me esqueci dele. Aliás, hoje em dia estudo Música no ensino superior e, coincidência ou não, toco um dos instrumentos protagonista neste cartoon.

O Cartoon que falo chama-se “Music Land”, é datado de 1935, e faz parte da série de Cartoons “Silly Simphony”, criados pela Disney, para levar até às crianças a música erudita. Este, em específico, foca-se nas diferenças aparentemente irreconciliáveis que existem entre o Jazz e a música dita “Clássica”. Não tem uma mera função pedagógica, dirigida ao público infantil: é também bastante interventivo, ido de encontro ao dilema cultural vivido nos Estados Unidos nesta altura, onde se acreditava que o Jazz era o fim da música (em todo semelhante aquela que vivemos hoje dia, com os pais a questionar os gostos musicais dos seus filhos). Neste cartoon não há diálogo falado: todas as conversas são feitas através dos sons musicais de cada instrumento protagonista. Com isto vem então a forte ligação entre a imagem e a música que se ouve, que me proponho tratar, analisando este cartoon de uma forma mais profunda.

Vamos então explicar a história e alguns momentos chave da ligação imagem-música:

  1. A acção começa com um mapa, onde estão marcadas duas ilhas: a Terra da Sinfonia, e a Ilha do Jazz, separadas pelo Mar de Discórdia. Podemos já observar, neste primeiro ponto, a imagem em função da música: as ilhas caracterizam os géneros musicais que vigoram e as cores e as formas relacionam-se com as características musicais. A Terra da Sinfonia tem a forma de uma clave de sol, umas cores mais suaves e é, de uma forma geral, mais rígida (características facilmente transportáveis para musica clássica) ao contrário da Ilha do Jazz, que, para além das formas mais suaves e das cores mais vivas, apresenta a forma do saxofone, o instrumento-rei deste género musical.

Imagem

  1. O cerne da história, uma versão musical do “Romeu e Julieta” de Shakespeare, com um final feliz (ou não seria este cartoon para crianças), tem como personagens principais quatro figuras:
    • o casal de apaixonados: o Saxofone Alto, príncipe da Ilha do Jazz, e “a” Violino, princesa da Terra da Sinfonia.

Imagem

 

    • O rei da Ilha do Jazz, um saxofone tenor.

 

 Imagem

 

    • A rainha da Terra da Sinfonia, “uma” contrabaixo.

 

 

 Imagem

 

Note-se que todos os pormenores da imagem ajudam a caracterizar a música, e vice-versa: primeiro, instrumentos mais agudos são associados a personagens mais jovens; segundo, a folia do Rei, a apatia da Rainha e o comportamento dos respectivos súbditos relacionam-se com os ambientes que envolvem os géneros musicais respectivos; e por último, todas as onomatopeias musicais se relacionam com as supostas falas correspondentes (p. ex., entre os segundos 2’40’’ e 2’42’’ notamos com facilidade nas falas dos apaixonados a palavra “hello” através do movimento melódico dos instrumentos).

  1. Falando agora das músicas que funcionam como banda sonora. Reparamos que há três tipos claros: a clássica, que aparece sempre que há intervenções da Rainha, do ambiente da Terra da Sinfonia e da princesa, a solo (com obras como a Sinfonia Heróica de Beethoven ou a Marcha das Valquírias, de Wagner); o Jazz, que aparece sempre que há intervenções do Rei, do ambiente da Ilha do Jazz e do príncipe, a solo; e, por fim, aquela a que eu chamo de fusão, uma mistura dos dois géneros apresentados, quando aparecem os dois apaixonados juntos, durante a guerra, e no final, quando a paz é novamente restaurada, mostrando a possibilidade de uma harmonia musical entre estes dois géneros. Estes três claros géneros musicais ajudam a clarificar a mensagem transmitida pela imagem.

Imagem

  1. Por último, mostrar alguns pormenores que fazem a diferença:
    • Uso do metrónomo como prisão: esta metáfora feita na animação faz uma piada com um dos instrumentos de trabalho mais usados na música erudita, que obriga os músicos a seguirem um determinado batimento, relacionando-se assim com o “estar preso” no cartoon

Imagem

 

 

    • Uso do flautim como pássaro: normalmente, o flautim, por ser um instrumento que produz notas com frequências muito agudas é frequentemente associado aos pássaros, sendo-o aqui mais uma vez.

 


Imagem

 

    • Uso dos trombones e do órgão como armas e da posição do maestro como comandante: os instrumentos acima referidos, como tem um grande poderio sonoro, são assim associados às armas de grande calibre, e o maestro, como “comanda” a orquestra, subiu ao posto de comandante.

 

 

 

Imagem

Podíamos ficar aqui horas a falar sobre muitas mais subtilezas que se encontram presentes neste cartoon, que são formas da música servir a imagem, e vice versa, mas só ia confirmar ainda mais o poder que a imagem e a música tem, enquanto parceria. É importante demonstrar, no entanto, que com esta genialidade se criam obras de arte que ficam para todo o sempre. E que, quer seja em 1935 ou em 2014 hão-de sempre ajudar a fazer crescer e a mudar mentalidades. Porque, caso se usem as ferramentas certas da forma certa, podemos mudar qualquer coisa.

Sílvia Madalena B. F. Gonçalves

A69615

O ESTADO EM QUE DEUS NOS DEIXOU NO MUNDO

 

Breve reflexão sobre o Homem, Deus e o Universo

 

Reflectir sobre o Universo é já de si uma tarefa pesadamente intrincada que, somando a ela a entidade de um Deus e o nascimento de um Homem, se torna num tema demasiado vasto para ser discutido em apenas dezenas, centenas ou mesmo milhares de páginas.

Muitos foram os que procuraram a relação entre as três identidades e os seus místicos conceitos, desde poetas, pintores, músicos, compositores, operários, cientistas, professores, crentes, ateus, até mesmo políticos e cidadãos vulgares.

 Nos pensamentos do poeta português Fernando Pessoa, a tentativa de procurar enquadrar estas figuras dma trilogia surge neste metafísico texto:

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.

Povoamos sonhos, somos sombras errando através de florestas impossíveis, em que as árvores são casas, costumes, ideias, ideais e filosofias.

 Nunca encontrar Deus, nunca saber, sequer, se Deus existe! Passar de mundo para mundo, de encarnação para encarnação, sempre na ilusão que acarinha, sempre no erro que afaga.

A verdade nunca, a paragem [?] nunca! A união com Deus nunca! Nunca inteiramente em paz mas sempre um pouco dela, sempre o desejo dela!

 Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

 

Será o mundo um lugar demasiado errante para se viver, será, para os que pensam e sentem, um manicómio de injustiças tão grande como aquilo em que nos fazem acreditar e que tão rapidamente certos indivíduos parecem esquecer e outros constantemente lembrar?

Na banda desenhada “Mafalda”, de autoria do artista Quino, está patente a reflexão sobre este tema e sobre a incerteza que encerra, a que ocorre a desorientação do mundo. Também nas civilizações que entretanto nasceram, prosperam e desaparecem, no ritmo do grande construtor do tempo, é por vezes expressa de forma inócua mas marcante por quem ousa ainda questionar.

Desde a Pré-história que o Homem procura atribuir a explicação da criação do mundo a um ser a quem chama de Deus, ou a um conjunto de seres, como no Antigo Egipto ou na Grécia Antiga de Sófocles. Contudo, até que ponto esse Deus é realmente uma influência benéfica para a sociedade, sendo que por ele se matou, por ele se enforcou, por ele se queimou e por ele se rouba ainda hoje? Qual, então, a verdadeira relação de amor, paz e harmonia existente entre o Homem, Deus e o Cosmos?

Num mundo avariado, a paz plena, assim como o prazer pleno pela arte do conhecimento, é tão impossível quanto possível é ouvir-se a voz da pessoa distante com quem tentamos falar por meio de um telefone público que não funciona.

Para a percepção humana, a ordem e a desordem estão presentes desde o início dos tempos, neste Universo dual que em equilíbrio e desequilíbrio foi construído.

O caos, a ruína, a desordem está presente desde o início dos tempos, em desequilíbrio foi construído o Universo, caso contrário, porque é Marte tão distinto da Terra? Desde cedo a presença de um Deus bom não foi suficiente para albergar a capacidade das almas. Assim, criou-se a convenção do Diabo, que apenas começou a ser representado, como hoje o conhecemos, a partir do século XII.

A arte terá acendido a disputa entre o herói e o vilão, entre o equilíbrio e o desequilíbrio…

duccio-descent

Ilustração 1 – Descida de Cristo ao Inferno. Duccio di Buoninsegna, 1308-1311.

 

01-old-rc-churches-basilica-cattedrale-patriachale-di-san-marco-venezia-it-01-anastasis-11th-c (1)

Ilustração 2 – Descida de Cristo ao Inferno. Basilica Cattedrale Patriacale di San Marco, séc. XII.

No poema “O Operário Em Construção”, Vinicius de Moraes canta o hino ao povo, ao verdadeiro e simples criador das casas, da cidade, da nação. Volta o seu olhar e atenção para o ser inferior e não para o Deus criador do Universo, atribuindo um novo papel ao Operário que desconhecia o valor da sua obra, à partida insignificante.

Será o operário uma breve alegoria aDeus, ou será este último plena oposição do primeiro? E o patrão, com o suborno e violência patentes, será a alegoria do Diabo ou do próprio Deus? Qual deles é tido como o verdadeiro DEUS neste poema? Ou será insignificante a atribuição dessa palavra a qualquer uma das personagens que vivem de si e por si mesmas?

 

O Operário Em Construção

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do Mundo. E disse-lhe o Diabo:

–          Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.

E Jesus, respondendo, disse-lhe:


– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás
.”
Lucas, cap. IV, vs. 5-8.

“Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia…
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

(…)

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.”

 

Vinicius não acreditava na existência de um Deus nem de um Diabo. Acreditava na força do povo, da arte, do uísque e do amor, visto que “a casa de um homem é um templo/ Um templo sem religião”.

Também Marx, revolucionário e filósofo alemão do século XIX, afirmava que a religião é o ópio do povo. Nietzsche, mais tarde, completou esta afirmação, descrevendo-a como “platonismo para o povo”. Ao escutar a canção de Zeca Afonso “O avô cavernoso”, ocorreu-me uma possível conjugação metafórica entre a personagem do avô e a personagem do sábio “Criador do Universo”, ou seja, Deus.

A canção pode ser ouvida em:

Destacam-se os versos:

“O avô cavernoso
Instituiu a chuva”

 “E a tenda dos milagres e a privada?”

Milagres…teve-os o mundo em meados do século XVI, quando o Homem descobriu por si só o valor de si mesmo, quando a própria face do planeta se transformou nos mapas depois dos Descobrimentos, cimentando a Física, a Matemática, a Medicina, a Astronomia, a Filosofia, a Engenharia, entre outras ciências e artes. Sonhavam os humanistas com um homem ideal, a força da criação partia agora do comum mortal e não da inspiração divina.

 michelangelo-Deus-e-Adao

Ilustração 3 – A Criação de Adão,  Michelangelo Buonarotti, 1508-1512.

 

E agora? Estaremos demasiado apagados na sombra do cimento, do comércio compulsivo, escondidos pelas asas do poder político que voa sem fronteiras rumo à desgraça dos pobres, ou demasiado entediados pela luz da esperança vazia?

Sábias as palavras de Leonardo da Vinci, “Jamais o sol vê a sombra.” E a banda desenhada a apresentar o homem e as suas aspirações.

mafalda (2)

 

O “Novo Renascimento” estará próximo?

O mundo procura distrair-nos do mais importante. Apresenta-nos uma realidade imaginária na qual facilmente nos ilude. “Estes anúncios apresentam-nos, ao jeito de Escher, mundos impossíveis. Impossíveis, mas convincentes: “Tudo ali nos parece muito estranho e, no entanto, é bastante convincente”. (Ernst, 2007).

 

Amazing Optical Illusion in Art 1

 

Estamos face a face, mais uma vez, com um século em transição, com um Universo ainda não compreendido e onde continua a ocorrer o desiquilíbrio, injusto segundo Vinicius, ludibriado segundo Marx, soturno segundo Zeca Afonso e ainda, segunda Mafalda, a menina que vive questionando-se sobre o mundo à sua volta, uma intriga constante.

Perante estas delicadas questões, poderemos ter novos pensamentos e procurar a explicação entre a nossa existência e o mundo em que habitamos. Mas as grandes mentes acabam sempre por iluminar-nos, ainda que não directamente, um caminho.

O conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena suavidade para o amanhã.”

Leonardo da Vinci

Prevalece o eterno dilema.Face a face com a morte, a Beleza Viva contempla o seu futuro inevitável. Como o próprio Lenonardo da Vinci afirma, “Quando eu pensar que aprendi a viver, terei aprendido a morrer.”

nudepaintingskullsvintage-bc8360fafec65c3915df437bc7f3ea96_i

 Ilustração 4- Deux jeunes filles (La Belle Rosine). Antoine Wiertz, 1847

 

 A arte assume as mais diversas formas de expressão do sentimento mais íntimo do ser humano. Todas procuram e talvez representem a melhor forma de dar um sentido ao dilema eterno do sentido do mundo. Ela está directamente ligada ao contexto em que surge e adapta-se constantemente à originalidade da criação artística.

quino2

 

Na medida em que toda a história do pensamento e da beleza é uma história de valores e ideias, o contributo da arte para a existência do homem enquanto explorador do universo é fundamental e indispensável. A nossa existência será sempre melhor compreendida  nas permanentes ideias e nas diversas formas de as exprimir.

 

Universidade do Minho, Junho de 2014

Sociologia da Arte

Professo Albertino Gonçalves

 Ana Mafalda Monteiro 

História do Soldado – I.F. Stravinsky

Imagem

Contextualização da Obra

                Igor Fedorovitch Stravinsky nasceu em Oranienburg em 1882. Desde cedo recebeu influências musicais por parte de seu pai, Fiodor Stravinsky que era baixo da Ópera Imperial de São Petersburgo. Apesar de ter estudado direito, o universo musical das tradições populares fez com que Stravinsky tomasse consciência das suas inspirações musicais. Depois de vários conhecimentos e influências adquiridas, a partir do seu mestre Rimsky-Korsakov, Stravinsky dedicou-lhe a Sinfonia em mi b M, mas o seu mestre morre em 1908. Apesar disto, Stravinsky compõem diversas obras ainda orientado pelo compositor do Grupo dos Cinco, tais como: a suite para canto e orquestra Faune et bergère (sobre três poesias de Púskin), o vocalizo intitulado Pastoral, os quatro estudos para piano, o Scherzo Fantástico para orquestra, inspirado num passo de A vida das abelhas de Materlink, o Rouxinol, e o Fogo de Artifício (composto para celebrar o casamento da filha de Rimsky Koesakov). Viajou com a companhia de Sergei Diaghilev (1909-1910) pela Europa, nomeadamente por França onde teve a oportunidade de contactar com vários músicos e compositores como C. Debussy, M. Ravel, E. Satie, entre outros.

Em 1914 Stravinsky viajara pela Rússia onde recolhera muito material sobre as tradições populares russas. Nesta altura inicia-se a 1ª Guerra Mundial, estando Stravinsky já no exílio (Stravinsky exilou-se na Suiça a partir de 1914 devido à guerra tal como outros grandes artistas, tanto compositores como filósofos, escritores arquitectos, pintores, actores, etc). Foi na Suiça que encontrou o escritor C. Ramuz (1915-1918), com o qual estabeleceu desde logo uma frutífera relação, tendo sido o primeiro resultado desta colaboração “Renard” (1922). Consciente das suas dificuldades – serem tempos difíceis na Europa, tendo a sua esposa uma saúde frágil e ainda tendo de manter quatro filhos, Stravinsky decide então com seus amigos Ramuz, E. Ansermet (dirigente orquestral de muitos espetáculos da companhia de Diaghilev – 1872 – 1969) e Auberjonois (pintor e ilustrador – nasceu em 1872 e morreu em1957 – em Lausanne ) criar um «espétaculo de bolso», para tentar ultrapassar este momento mais complicado da sua vida. Algum tempo depois do surgimento de “Renard” surge a ideia de desenvolver um projecto musico-teatral com características a priori muito específicas: “L’Histoire du Soldat”. Este conto popular russo está directamente relacionado com a instrumentação adoptada, caracterizando as personagens principais: por um lado, o violino é o instrumento musical mais importante deste conjunto talvez pela sua importância melódica e solista, mas também pelo que representa em termos dramatúrgicos – a alma do soldado – que o diabo tenta obter a todo o custo; por outro lado, o diabo é caracterizado pelos tambores ou pela maioria da percussão, quando este está prestes a entrar em cena ou mesmo quando já esta presente em palco.

Quanto à temática, a História do Soldado é uma obra inspirada num conto popular russo que faz parte da colecção de Afanassiev (escritor de contos populares russos), onde existe uma parte de narração, uma parte de dança, uma parte de representação (mimo) e uma parte musical. Esta obra conta-nos a história de um Soldado que volta da guerra e que vem a seguir o seu caminho de regresso a casa quando se encontra com uma pessoa disfarçada que é o diabo que, a todo o custo, tenta apoderar-se do violino que o soldado transporta, pois esse instrumento musical representa a sua alma. Para conseguir o que pretende o diabo oferece-lhe em troca um livro mágico que permitiria ao soldado a realização de todos os seus desejos pessoais. Seduzido com esta oferta, o soldado passa três dias com o diabo; ou na verdade, três anos. Quando chega a casa, a sua mãe e a sua noiva já nem o conhecem depois de tanto tempo; é então que descobre que tinha passado três anos com o diabo e decide rejeitar tudo o que o livro lhe concedera até então e tenta recuperar o seu violino (ou seja, a sua alma). Depois de voltar a encontrar-se com o diabo e de não ter conseguido reaver a sua “alma”, o soldado dirige-se a um palácio cujo o rei oferecia então a mão de sua filha a quem a conseguisse curar. É então que o soldado decide tentar a sua sorte e, encontrando-se novamente com o diabo consegue embebedá-lo (no decorrer de um jogo de cartas entre ambos) e assim reaver o seu violino. Assim o soldado dirige-se ao palácio e toca para a princesa, conseguindo assim curá-la. Contudo o diabo reaparece mas o soldado para se defender tem a genial ideia de tocar a “Dança do Diabo”, que faz com que aquele dance até ao esgotamento total. Depois de algum tempo o soldado regressa à sua aldeia com a princesa, sua mulher. Mas no final o diabo também aí aparece arrasta consigo o soldado-principe, definitivamente. 

 O material musical

Quanto ao material musical, autores como Jean e Brigitte Massin dizem-nos que nesta obra ainda podemos observar a existência de alguns elementos do folclore russo, embora na época já escasseassem na obra de Stravinsky. Para além destes elementos populares, estes autores indicam-nos que na obra também podemos encontrar outros materiais provenientes de outras influências, como por exemplo: a ópera italiana do século XIX, o paso doble, danças populares nomeadamente a valsa e outras como o tango e o ragtime.

Um dos aspectos que caracteriza muito esta obra é o seu contingente e dispositivo cénico. Trata-se de uma obra com um reduzido número de instrumentistas, facto determinante que se deve a diferentes factores. Um dos aspectos que condicionou este contingente foram, na opinião de Jean e Brigitte Massin, dificuldades económicas, mas na opinião de Roland De Candé foi por mero interesse em facilitar ou transmitir a ideia de «espectáculo de bolso». Esta obra para Stravinsky era uma obra que tinha como fundamental objectivo obter algum lucro e de forma rápida numa altura de conjuntura difícil; desta forma, Stravinsky e Ramuz conceberam-na como uma obra de teatro ambulante, sem exigir grandes meios e necessariamente de fácil transporte para que pudesse ser itinerante desde logo pela Suiça. Isto constitui um elemento claramente pré-estabelecido, como nos indica o seguinte texto do compositor:

«O ensemble devia ser oferecido à vista dos espectadores, escreve Stravinsky nas suas Crónicas,… porque sempre tive horror a escutar a música de olhos fechados, sem uma parte activa do olho. A vista do gesto e do movimento das diferentes partes do corpo que a produzem é uma necessidade essencial para a apreender em toda a sua amplitude… São estas ideias que me incitaram a colocar a minha pequena orquestra da História do soldado bem em evidência de um lado da cena, enquanto que do outro lado se encontrava um pequeno estrado para o leitor. Esta disposição precisava a junção dos três elementos essenciais da peça que, em estreita ligação, devia formar um todo: no meio, a cena e os actores flanqueados pela música de um lado e do recitante pelo outro.»

A obra foi estreada em 1918, mais exactamente no Teatro Municipal de Lausana dirigida por Ernst Ansermet, graças ao apoio do mecenas Werner Reinhart, que se encarregou de pagar a apresentação e a música ao compositor. O empenho e confiança original de Stravinsky nesta obra era de tal forma, que o levou a entusiasmar-se a participar também enquanto intérprete, dançando a parte do diabo. No entanto, na estreia não o fez. Ainda assim a sua participação na obra não se resumiu à concepção musical pois na sua partitura constam indicações muito precisas quanto ao espaço cénico, o que denota o compromisso dramático que este vivia. Isto verifica-se logo no início da partitura com a inclusão de algumas indicações bem precisas quanto ao espaço:

«Um pequeno palco, montado sobre uma plataforma. Tambores ou barris de ambos os lados. Num dos tambores está sentado o narrador, em frente de uma mesita, sobre a qual está uma garrafa de vinho branco e um copo. A orquestra encontra-se no lado oposto do cenário.»

Como já foi referido anteriormente a orquestra (ou pequeno ensemble instrumental) tem como principal característica o ser constituída por dois instrumentos por família contemplando sempre os dois registo, o grave e o agudo. Assim, é compota por: dois instrumentos de metais (corneta de pistões e trombone), duas madeiras (clarinete e fagote), cordas (violino e contrabaixo) e conjunto de percussões assemelhado ao das baterias das jazzbands. Com esta formação podemos dizer que se assemelha mais a uma formação de jazz, do que um ensemble instrumental normalmente utilizado para a realização de uma ópera de câmara. É assim que esta obra se resume à dimensão de um “espectáculo de bolso” (“poche”) mas insere em si momentos de grande exigência técnica ao nível instrumental, com momentos de grande virtuosismo (nomeadamente para o instrumento principal, o violino) assim como uma atenção particular ao grupo da percussão, tradicionalmente de escrita não tão elaborada como a que se encontra em algumas passagens desta obra. Trata-se de um “virtuosismo «metafísico»” que no dizer das autoras Ana Paula Faria, Ana Maria Telo e Cristina Assis assemelham esta obra de Stravinsky à obra do pintor De Chirico (1888 – 1978). Nesta obra, considerada por Candé, como representante de uma nova escrita “ascética”, Stravinsky afasta-se definitivamente da escola orquestral russa, tal como ele próprio admite:

“A História do Soldado marca a minha ruptura final com a escola orquestral russa da qual fui aluno”

TIAGO PAULO CARNEIRO ROCHA                     A63051

Igor Stravinsky e o seu Pássaro de Fogo (João Gonçalves – A63056)

Contextualização

O crescimento da cultura e da arte por volta dos anos 1900 esteve condicionado por uma etapa política e social relativamente calma, isto apenas foi possível graças à conclusão do conflito europeu dado em 1875 (Guerra Franco-prussiana). Nestes anos a burguesia mostrava-se entusiasmada, devido ao bem estar e pela ideia geral de progresso no seu país. Na Alemanha isto aconteceu pela estabilidade política da era Guilhermina, já na Áustria pela consistência da monarquia austro-húngara do Imperador Francisco José I e na Grã-Bretanha pelo o seu grande imperialismo colonial da Coroa britânica. Já em Espanha e Itália a situação política e social mostra uma imagem completamente diferente, mais fragmentada e também carente de estrutura, ainda que a situação cultural evidenciasse uma tendência mais homogénea e coerente.

Este imperialismo teve a sua prolongação geográfica na expansão colonial das potências europeias desde Asia e África, onde culminaram as aspirações económicas dos países europeus. Todo este processo não era conseguido sem uma forte insistência pelos países que lutavam cada vez mais por uma independência, no caso de Espanha, Cuba e Filipinas foi bem concedido. A preocupação colonialista trouxe como efeito positivo, uma maior aproximação e familiarização com o exotismo dos países do Oriente que tiveram uma influência muito favorável na cultura musical pela incorporação de novos elementos musicais.

Esta situação expansionista e capitalista gerou uma ideologia que propiciava a grandiosidade e o gosto por o absurdo, manifestando o desejo de patentear o poderio científico e cultural das grandes exposições universais que se realizam em todos os países europeus pelos anos do fim de século, desde Berlin a Barcelona. A ideologia de fim de século esteve baseada também na aproximação positiva à realidade, que propiciou o desenrolar de novos métodos de investigação aplicados às fontes e ao interesse por toda a história, na música a aplicação do método positivista à investigação do património histórico foi tão decisiva que marcou o nascimento da musicologia moderna.

A industrialização da luz eléctrica teve igualmente uma repercussão muito forte na iluminação dos teatros e o uso das luzes na encenação dramática, como fez Schoenberg na sua obra La Mana Feliz de 1908-1913. Em Espanha os avatares políticos do fim de século estavam centrados em torno da regência da Maria Cristina (1885-1902) e à presidência de Cánovas com as suas contínuas trocas de governos entre os liberais e conservadores, até a chegada ao trono de Afonso XIII em 1902, uma época que forma parte da chamada Restauração que se inicia com a subida ao trono de Afonso XII em 1874. As perdas das colónias (Cuba e Filipinas) e a guerra de Marrocos assinalam, desde 1898 a crise política e os pontos mais conflituosos de um velho império incapaz de sustentar por mais tempo as suas possessões de ultramar. Stravinsky nasceu nesta época de inovação e mudança.

Biografia

Igor_Stravinskyby_by_Pablo_Picasso

Igor Stravinsky foi um compositor russo, naturalizado francês em 1934 e americano em 1945. Percurso de vida multifacetado, tendo a sua música apresentado igualmente várias transformações, muitas vezes à frente do seu próprio tempo mas sempre detentora de enorme consistência. Entre 1882 e 1910, manteve-se na Rússia, onde absorveu influências dos seus compatriotas [marcadamente influenciado por Mussorgsky e Rimsky-Korsakov, de quem foi aluno]. Os anos entre 1910-1914 marcam o início da sua carreira internacional, em que compôs para os Ballets Russos de Diaghilev, em Paris, estreando Pássaro de Fogo, Petrushka e A Sagração da Primavera. Tem residência na Suiça, entre os anos de 1914-1920, exilando-se definitivamente após a Revolução Russa 1917, continuando no entanto ligado à terra natal através das suas obras. O período compreendido entre 1920 e 1939, passado em França, corresponde à composição de obras ao estilo neoclássico, reactivando os estilos e géneros musicais do séc. XVIII. Esta tendência persiste nos primeiros anos da sua vida nos Estados Unidos (1939-1952), dando progressivamente lugar, dentro de uma visão muito pessoal, à utilização de técnicas seriais.

O Pássaro de Fogo

História antes da Obra

O Pássaro de fogo é uma tradição oral russa. Kastchei, o mago imortal, era dono de fantástico reino mágico com um vasto jardim que tinha uma macieira de maçãs de ouro. O terrível mago tinha também raptado e aprisionado belíssimas jovens que viviam dentro do seu jardim. Num lindo dia de sol o jovem príncipe Ivan, que passeava pelos arredores do jardim, entra sem perceber e vê uma ave mágica voando muito próximo dele. A ave de grande plumagem majestosa que flamejava luzes vermelhas, amarelas e alaranjadas como uma fogueira. Ivan conseguiu segurar o pássaro, este assustado e temendo tornar-se prisioneiro implora por sua liberdade e em troca oferece uma das suas penas mágicas que o iria proteger de qualquer um dos feitiços do mago. Chegada a noite, as jovens aprisionadas saíram do castelo, elas apenas podiam permanecer no jardim até ao nascer o sol, pois assim as obrigava Kastchei, durante esse período de tempo elas tinham toda a liberdade para as suas brincadeiras e jogos no jardim. A mais bonita das jovens vê Ivan e timidamente se aproxima. Contou toda a sua história até a chegada do castelo e alertou-o á sua atenção relativamente ao mago, pois todos os viajantes e andarilhos eram presos e transformados em pedra. O jovem príncipe ficou redondamente apaixonado pela rapariga mas com o nascer do amanhecer elas tiveram de recolher ao castelo. Ivan estava inconformado e queria segui-la a todo o custo, mesmo sabendo que lhe poderia custar a vida. O príncipe decidiu segui-la pelo jardim, até que de repente começam a soar as sinetas de alarme e um pequeno exército de monstros apareceu subitamente. Eram os guardas fiéis do mago, a captura foi obtida com êxito, e logo de seguida foi levado a Kastchei. O mago revolto lançou um dos seus terríveis feitiços sobre o jovem, num ápice Ivan recordou-se da pena que lhe fora dada pelo pássaro de fogo e rapidamente a segurou firme entre mãos e começou a agitá-la em frente ao rosto do poderoso mago. O pássaro encantado apareceu 5 segundos depois, ele veio em auxílio do príncipe, pois fora invocado pela sua pena. Este iniciou uma melodia sonora, enfeitiçando o mago e os seus monstros, eles começaram a dançar até caírem de exaustão no chão. Ele sabia do grande segredo do mago, para a sua imortalidade, a sua alma estava trancada num grande ovo ouro. Entretanto príncipe Ivan começou a procurar o ovo por todo o castelo, era uma tarefa árdua para ser concebida em tão pouco tempo mas conseguiu tal proeza. Como lhe fora pedido pelo pássaro, Ivan quebrou o ovo e no mesmo instante o mago morre, o castelo desapareceu e as princesas ficaram novamente livres. A bela jovem reencontra-se com Ivan e prometeram amar-se para sempre, enquanto o Pássaro de fogo desaparece entre as árvores do jardim. Uma grande festa no novo reino é oferecida para os jovens e para os mais velhos, em honra do amor e da liberdade.

A Obra

Escrita em 1910, o Ballet d’ O Pássaro de Fogo foi escrito em 1910, no período Russo de Igor Stravinsky. Com uma orquestração que podemos ver a importância que o compositor dá aos diferentes e variados coloridos, tendo no ballet quatro instrumentistas de cada naipe das madeiras, duas trompetes, três trombones, quatro trompas, uma tuba, percussão, harpa, celesta e cordas. No ballet temos vinte e dois andamentos, que retractam a história completa, tendo duração de 50 minutos de música.

A Estreia

A estreia do Ballet foi em 25 de junho de 1910 na Ópera de Paris, foi de certa forma um ‘’Voo afortunado’’ para o compositor, mas nem tudo correu como esperado. Stravinsky viu-se obrigado a nacionalizar-se francês, abandonando a Rússia devido a alguns desentendimentos com o governo local, segundo alguns rumores, foi levado a deixar o pais por determinação do governo, que não aceitava os novos conceitos musicais de Igor.

Na estreia ‘’O Pássaro de Fogo’’ foi dirigido por Gabriel Pierné e representado pela companhia de Ballet de Diaghilev. Mlle Karsavina representou o Pássaro de Fogo, Michel Fokine representou o príncipe Ivã Tsarevich e Bulgakov, o Imortal Kastchei.

Mesmo antes da primeira apresentação, a empresa dos ballets sentiu um enorme sucesso na tomada. Os críticos estavam em êxtase, elogiando o ballet. “A idade do ouro talhado do fantástico pano de fundo parece que foi inventada por uma fórmula idêntica à da teia cintilante da orquestra’’ Henri Ghéon na Nouvelle Revue Française (1910). Para Stravinsky, foi um grande avanço tanto com o público e com os críticos. Toda esta grandiosidade feita pela estreia, garantiu ao compositor o seu lugar de ‘’estrela’’ na consideração de Diaghilev.

A Ópera dos três Vinténs (Kurt Weill / Bertold Brecht)

Em 1728 a Europa vivia o despertar do iluminismo e a aurora das revoluções burguesas. Apesar da abertura de teatros públicos de ópera aproximadamente um século antes, o espectáculo em voga – a Opera Seria italiana – estava essencialmente identificado com a classe aristocrática. Foi ne

ste contexto que o escritor John Gay lança, em Londres, a sua primeira Ballad Opera«The Beggar’s Opera» – que se manteria durante duzentos anos como o record de permanência em cena. Partindo de uma peça de teatro de temática popular e quotidiana, onde os protagonistas eram mendigos, ladrões, prostitutas, proxenetas e polícias, Gay recolheu 51 temas famosos de ballad songs ou mesmo árias e adaptou-os à peça revestindo-os de novas letras. Os restantes 18 números, bem como a abertura foram providenciados por Pepusch, a quem também coube fornecer o baixo contínuo para toda a peça. O sucesso da peça não só ofuscou as produções de ópera italiana como diminuiu o seu prestígio em Inglaterra. Nos anos seguintes verificaram-se eventos similares pela europa: em 1733, em Nápoles, a obra-prima de Pergolesi – o intermezzo «La serva padrona» – atingia um sucesso superior ao da ópera em cujos intervalos foi executada e a sua performance em Paris, 19 anos mais tarde originaria a Querelle des buffons após a qual a ópera séria de corte nunca voltaria a recuperar o prestígio.

Em 1920, uma revival da obra de Gay viria quebrar o record de permanência em cena mantido até então pela edição de 1728, provocando uma onda de sucesso em Londres. Para comemorar o bicentenário da estreia da Beggar’s Opera, o editor Schott Söhne resolve encomendar uma nova versão a Paul Hindemith. Perante o desinteresse deste, o projecto foi proposto a Kurt Weill e Bertold Bracht que suspenderam a sua “Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny” para que nascesse a Ópera dos três VinténsDie Dreigroshenoper.

Os autores

Filho de um mestre de capela, Kurt Weill (1900-1950) cresceu a assistir frequentemente a espectáculos de ópera. Incentivado a estudar composição, teve aulas com Humperdink e Busoni paralelamente à sua precoce actividade profissional como maestro. Aos 26 anos estreia a sua primeira obra cénica – “O protagonista” – cuja recepção positiva por parte do público desperta a sua vocação para a música de cena e a vontade de caminhar em direcção a um estilo acessível para o público. No mesmo ano casa com a actriz Lotte Lenya para quem escreveu a maior parte do seu reportório lírico. Ainda em Berlim, musicou dramas de Caspar Neher e Georg Kaiser que não foram bem vistos pelo partido Nazi em ascensão. Forçados deixar a Alemanha, Weill e a sua esposa chegam aos Estados Unidos em 1935. “Knickerbocker Holiday” (1938) – em parceria com Maxwell Anderson – foi o seu primeiro sucesso para a Broadway. Nos doze anos que lhe restavam, dedicou-se a compor para o teatro musical. Em 1950, morre subitamente sem conseguir concretizar a ambição de criar “a primeira opera-popular americana”. Paralelamente à produção cénica, Kurt Weill é autor de duas magistrais Sinfonias, um Concerto para violino e sopros, uma sonata para violoncelo e piano, 3 cantatas profanas (incluindo “Das Berliner Requiem”) e uma vasta obra lírica dedicada à sua mulher.

Bertold Brecht (1898-1956) nasceu na Baviera, de uma família burguesa e religiosa. Estudou e exerceu brevemente medicina. As suas primeiras peças são estreadas em Munique após a primeira guerra o que o leva a conhecer o realizador Erich Engel com quem colaboraria durante o resto da vida. O seu trabalho com Erwin Piscator levá-lo-ia a revolucionar o conceito de Teatro Épico. Esta corrente pretendia, através do distanciamento entre o público e a acção, consciencializar e despertar o espectador para a vontade de mudar o mundo. A sua primeira obra de relevo neste campo foi “Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny”, uma ópera de sátira política com música de Kurt Weill. “Mahagonny-Songspiel” (1927), é a primeira colaboração entre os dois artistas à qual se seguiu a obra-prima “A ópera dos 3 Vinténs”, no ano seguinte. Posteriormente, lançaram a ópera juvenil ”Der Jasager” (1930) e, em Paris, “Die Sieben Todsünden” (1934).

Como encenador, Brecht pretendia que a cena retractasse e não transmitisse emoções de modo a não envolver o espectador na acção e preservar o seu pensamento crítico e racional. Isto levava-o a alterar constantemente as encenações das peças. Por volta dos 30 anos, torna-se Marxista vendo-se forçado a exilar-se, em 1933, primeiro na Áustria e por toda a europa até chegar aos Estados Unidos. Já no exílio, escreve “A vida de Galileu” criticando a instrumentação dos artistas e filósofos por parte dos Nazi.

A obra

O libreto original pretendia não ser mais do que uma “transposição” da peça para o contexto moderno mas acabou por ganhar uma dimensão absolutamente actual, não alterando o material mas sim a interpretação deste. Musicalmente, a estrutura da peça é bastante neoclássica: começa com uma Abertura em estilo francês (uma secção inicial lenta e solene, uma intermédia em forma de fuga e uma coda final novamente lenta e solene) a qual se deveria seguir imediatamente a acção. No entanto, Weill opta por introduzir um prólogo cantado pelo Músico de rua (mero figurante no resto da peça) à guisa de coro grego que descreve e introduz o protagonista-vilão. Este número viria a ser o excerto mais célebre de toda a obra – “Die Moritat von Mackie Messer” – vulgarmente conhecida como ”A balada de Mack the Knife”.

A acção começa no Soho, na manhã em que o casal Peachum – “empresários” de um bando de pedintes que sonham em integrar a filha, Polly, na alta sociedade – descobrem que a filha está prestes a casar com Mackeath, o mais reputado salteador de Londres. Para impedir a desgraça da família, Peachum tenta mover as suas influências junto do intendente da polícia, Tiger Brown, que, por sua vez, é o padrinho de casamento. A peça desenrola-se numa história de corrupção, sensualidade e ciúme até que, por intermédio de Jenny, uma prostituta que se envolveu com Macheath no massado, a justiça acaba por capturar o vilão e condená-lo à morte. O amor entre este e Polly parece igualmente condenado até que num desenlace inesperado, e quase por intervenção divina (na verdade, da Rainha Victória), “Mackie” é salvo da forca e aceite na família Peachum, agora com perspectiva de um futuro próspero.

A orquestração

Após a 1º Guerra Mundial, a Alemanha tinha ficado enfraquecida e vexada a todos os níveis e, tanto as mortes na guerra como a falta de verbas ditaram o fim das produções com grandes efectivos orquestrais. Forçosamente, os compositores enveredaram por um estilo muito mais camerístico e de economia de recursos de que são exemplos o Concerto op. 24 de Anton Webern e “A História do Soldado” de Igor Stravinsky. Para a produção original, Weill idealizou uma “orquestra” de sete elementos que tocaria vinte e três (!) instrumentos:

I – Saxofones soprano, alto e barítono, flauta, flautim e clarinete;

II – Saxofones senor e soprano, clarinete e fagote.

III – 1º Trompete

IV – Trombone e Contrabaixo

V – Banjo, Guitarra, Ukulele, Bandolim, Violoncelo e Bandoneão

VI – Timpanhos, Percussões e 2º Trompete (!)

VII – Harmónio, Piano e Celesta

Posicionamento da “Lewis Ruth Band” no Theater am Schiffbauerdamm, Berlim

 Obviamente, nem mesmo a Lewis Ruth Band que tocou na produção original  conseguia comportar todos os instrumentos exigidos o que levou Kurt Weill a criar inúmeras opções de instrumentação para cada papel em diferentes passagens deixando explicito normalmente qual seria a sua preferência. Alem disso, algumas passagens estão notadas como ad libitum o que pode significar três coisas – a passagem executa-se se o instrumento estiver disponível, se o instrumentista for capaz e se as condições acústicas do teatro forem favoráveis.

A recepção

O Theater am Schiffbauerdamm não era, nem é, uma casa de ópera mas sim um pequeno teatro e nenhum dos actores era um cantor profissional de ópera. Pelo contrário, o cast incluía actrizes do teatro falado (a própria esposa de Kurt Weill encarnava Jenny), cantoras de cabaret, cantores ligeiros e um tenor de opereta no papel de Mackeath. O acompanhamento “orquestral” foi fornecido pelos “The Lewis Ruth Band”, uma banda com experiência nas salas de dança que proliferaram no princípio do século.

Os ensaios revelavam-se caóticos, Weill aparentava não conseguir acabar a obra a tempo e introduzia constantemente alterações nas partituras. Nada apontava para o sucesso que a peça se revelou: a uma semana da estreia Berlim foi possuída pela “febre dos 3 vinténs” e nos 2 anos seguintes, foram realizadas mais de 350 representações. O sucesso rapidamente atingiu proporções internacionais tendo sido produzido um ano mais tarde em Zurique e Viena e, posteriormente, Bruxelas, Varsóvia, Tel Aviv, Nova Iorque e Tokio. A “Ópera dos 3 Vinténs” já não era uma mera adaptação da peça de John Gay mas sim uma experiência das novas ideias sobre a arte defendidas por Brecht e um ícone da década de 1920 que ainda hoje suscita nostalgia. Por outro lado, o Partido Nacional Socialista em ascensão não foi capaz de captar a ironia patente em toda a obra e considerou-a o arquétipo da degradação da arte tendo mais tarde proibido a sua representação. Com a 2ª Guerra mundial, “Die Dreigroschenoper” tornou-se para os alemães no exílio num símbolo da resistência contra a manipulação da arte pelos bárbaros.

Também da parte da crítica houve um largo espectro de reacções: Teodoro Adorno declarou que “Weill degenera a arte fazendo expondo todos os aspectos demoníacos da música ultrapassada fazendo uso deles. A sua música não procura contribuir seja o que for para o mundo das artes mas sim nasce de material atrofiado, usando-o com tal força e originalidade que empalidece qualquer objecção”. Por sua vez, Igor Stravinsky escreveu a Weill pedindo que lhe enviasse gravações e partituras logo que possível pois queria ter a obra sempre perto de si. Segundo este, era “uma obra que só podia ter sido escrita na Alemanhã mas que sintetizava o melhor de Shakespeare e Dickens ornada com uma música absolutamente perfeita”.

Traduções e adaptações

Em 1954, já depois da morte do marido, Lotte Lenya encomenda a Marc Blitzstein uma versão em inglês que deu a conhecer aos Estados Unidos da América e ao mundo toda a obra conjunta de Weill e Brecht. Sobre esta produção, que durou até 1961, o crítico Brooks Atkinson escreveu: “Como obra cénica e musical, a Ópera dos 3 Vinténs é um triunfo de estética e estilo!”

Em 1978, Chico Buuarque de Hollanda e Luís Antônio Martinez Corrêa transpõem a ópera para os anos 40 do Rio de Janeiro, transformando Mackeath no contrabandista Sebastião “Max” Overseas e o negócio da família Peachum no “comércio de amor” dos Duran. Ruy Guerra levou a peça ao grande ecrã em 1986.

Die Dreigroschenoper (Sociologia da Arte) (ver texto com imagens)

 

Paulo Coutinho Duarte Capela Morais, a63603

György Ligeti – Um novo rumo

Imagem

Em 1923 nasce na Roménia um compositor que direcionou a música para novos caminhos, contornando dogmas e “fórmulas” musicais. Ligeti nasceu no seio de uma família judaica húngara em Tirnaveni, uma pequena cidade da Transilvânia (desde 1920 pertencente à Romênia).

A mudança para o centro cultural Kolozsvar possibilitou-lhe frequentar concertos e óperas. Inicialmente, Ligeti desejava tanto ser músico como cientista. Porém a presença nazista na Romênia e as consequentes medidas antissemitas decidiram o impasse por ele: o curso de Física só oferecia uma vaga para judeus, e em 1941 ela foi concedida a outro aluno. Porém a paixão pela ciência permaneceu: quase 40 anos mais tarde o compositor realizaria obras com base na teoria do caos, recursividade, fractais e outros conceitos matemáticos. Os anos da guerra marcaram indubitavelmente a personalidade do compositor. Em 1944, próximo ao final da guerra, Ligeti teve que servir ao Exército. Os demais membros da família foram enviados a campos de concentração. O pai e o irmão morreram em Bergen-Belsen e Mauthausen, porém a mãe de Ligeti conseguiu sobreviver a Auschwitz. Apesar de Ligeti definir-se como uma pessoa afável, dizia que transportava dentro dele um profundo ódio. Um sentimento que aumentou sob a ditadura comunista húngara, na década de 50, e que se expressou na agressividade de certas obras, como o Requiem, de 1965.

O Requiem de Ligeti começou a ser escrito em 1963, sendo só terminado dois anos mais tarde, e transporta as características modernistas e inovadoras gerais da sua obra. Ao mesmo tempo, como o título sugere, ele também se relaciona com a tradição musical, como se colocasse as suas sonoridades pioneiras ao serviço da “expressão” de uma forma mais visceral e subjetiva do que o modernismo geralmente admite. As partes individuais que compreendem os agregados cromáticos são muitas vezes demasiado próximos para serem discernidos individualmente, mas o seu movimento adiciona um interessante reflexo acústico. A melodia é geralmente englobada pela textura da obra, mas contribui decisivamente para o seu carácter.

Esta obra afasta-se  da estética do sublime, de aspecto transfigurante que encontramos no Requiem de Mozart ou Fauré. Distingue-se apenas uma musicalidade àspera, emanada de um “vespeiro de vozes humanas”. É como se o Requiem  – música de entrega da alma dos mortos – tivesse os próprios mortos a cantar.

Ligeti nunca perdeu de vista a qualidade fundamentalmente humana – em todas as suas formas grotescas ou belas – e é, talvez, a razão pela qual a sua música ressoa tão fortemente no público, ainda mais agora.

A sua popularidade cresceu muito também devido ao cinema: quando Stanley Kubrick optou pelos sons inesquecíveis do Requiem de Ligeti (1965), Atmosferas (1961) e Lux Aeterna (1966) para épico 2001: Odisseia no Espaço, expondo as sonoridades misteriosas de Ligeti para a audiência mundial. (Apesar de feliz com o resultado, Ligeti não tinha conhecimento do filme até seu lançamento, recebendo apenas o devido o pagamento pelo seu trabalho depois de ameaçar processar). Kubrick traria Ligeti para o cinema mais duas vezes, virando-se para os tons luminosos de Lontano (1967), em The Shinning e Musica Ricercata No. 2 (1952), em Eyes Wide Shut.

Eyes Wide Shut

Eyes Wide Shut

2001: Odisseia no Espaço

2001: Odisseia no Espaço

The Shining

The Shining

 

Mas há também razões psicológicas mais escuras para a afinidade de Ligeti com polifonia. Ligeti relaciona as vertentes da sua obra Apparitions  som a sua aracnofobia severa, e, especificamente, a um sonho de infância no qual, como ele certa vez descreve, “toda a sala se encheu de um emaranhado confuso e denso de filamentos finos … Eu estava preso nessa imensa teia com outros seres vivos e objetos de vários tipos – grandes traças e uma variedade de besouros – na verdade, aracnofobia iria tecer as suas teias em todo os cantos mais escuros de da obra de Ligeti – pensemos em  Le grande macabre, em que o astrólogo, Astradamors, ameaça comer uma enorme aranha peluda. É nessas esquinas escuras, iluminadas pelas texturas luminosas de Ligeti e pelo seu senso sinestésico da cor, que podemos começar a identificar seu medo ao longo da vida da morte e da sua determinação em rir na cara de mortalidade.

Sob o governo de András Hegedüs, a Hungria passou pela “re-stalinização”, sob o signo da colectivização compulsória e do terror da polícia secreta. Nesse ínterim, o compositor leccionou Teoria Musical no Conservatório Franz Lizst, de Budapeste. Como acontecera com os nazistas, o regime comunista condenou a música moderna. Para Ligeti se tornar persona non grata para o partido, bastou ele apresentar uma peça de Igor Stravinsky a seus alunos.

O músico relembrava ter escutado no rádio –às escondidas – a obra eletrônica Gesang der Jünglingen, de Karlheinz Stockhausen. Esta música lhe fez vislumbrar o mundo de possibilidades musicais para além da Cortina de Ferro, confirmando o doloroso exílio em que foi forçado a viver. A sensação de sufocação, tanto intelectual como pessoal, tornou-se insuportável após o fracasso da revolução antissoviética de 1956, fugindo assim para a Áustria.

As obras de Ligeti são muitas vezes curtas, mesmo em miniatura, mas é como se essa pequenez em escala o tornasse consciente de algum vazio gigantesco em torno deles. O primeiro Etude para Piano escreve um jogo niilistamente destrutivo de abandono rítmico, fazendo isso em breves minutos, há momentos no Concerto para Violino em que o ouvinte sente um cruzar  de emoções provocado pelos sons  assobios de instrumentos de sopro não convencionais (como por exemplo, swanee ou ocarinas).

Cena da Ópera Le Grand Macabre

Cena da Ópera Le Grand Macabre

Toda a sua ópera Le Grand Macabre é ao mesmo tempo uma sátira inteligente sobre a morte e uma visão apocalíptica arrepiante. Em outras palavras, ouve-se um reflexo dos horrores que Ligeti viu durante a sua vida, ao mesmo tempo que faz um acordo entre a “futilidade”  essencial da arte face a toda essa tragédia. Para além disso, na tentativa de reflectir sobre essas experiências, ou mesmo afastar-se delas. A música de Ligeti é uma chamada para a importância fundamental desse esforço artístico supostamente “fútil”. A sua música parece ser um vislumbre do calor da morte no universo – e, por isso, sente-se a necessidade ir em frente, e continuar a compor, para mantermo-nos vivos mesmo perante um destino niilista que nos espera, mesmo que todo esse esforço, no fim, equivalha a nada. O que não é a realidade , certamente, mas é essa tensão existencial que dá a música de Ligeti a sua humanidade, e é, talvez, uma das razão para que as suas obras se tornem cada vez mais um foco central no repertório de cada artista e nos ouvidos de todos os amantes da Música.

Webgrafia:

  • György Ligeti – disponível em http://www.allmusic.com (2013)
  • A guide to György Ligeti’s music – disponível em http://www.guardian.co.uk  (2013)
  • 1923: Nasce o compositor György Ligeti – disponível em http://www.dw.de (2013)
  • György Liget – disponível em http://www.classical-music.com (2013)

Joana Costa
Nº 66252

Dimitri Shostakovich e a Sátira Social do Sec XX

 

 
Imagem

Fig.1 – Dimitri Shostakovcih

Este foi o compositor que mostrou ao homem do século XX a sua essência. Ilustrou nas suas obras a verdade crua da crueldade humana, sem qualquer receio de desmascarar o ser humano e mostrar toda a sua falsidade, hipocrisia e mentira. Foi por isto mesmo um grande compositor e acima de tudo um enorme Homem com toda a sua obra integrada no século XX recheada de sarcasmo, loucura e mistério. Este brilhantismo musical fez com que muitas vezes fosse criticado e censurado e esta é mais uma razão para falar um pouco deste compositor que mudou um estilo mas também mentalidades e a maneira de ver a sociedade da altura.

Nasceu em São Petersburgo no ano de 1906 e desde cedo mostrou vocação para a música. Começou a ter aulas de piano com a sua mãe aos 8 anos e com 12 anos compôs uma marcha fúnebre. Em 1919 ingressou no conservatório de Petrogrado, o qual era dirigido por Alexander Glazunov que seguiu a sua carreira de perto. O seu primeiro grande sucesso musical foi a ‘Primeira sinfonia’ composta em 1926 com 19 anos e foi a sua peça de graduação. Seguiu numa carreira dupla sendo pianista e compositor mas aos poucos deixa de tocar e concentra se exclusivamente à composição. Em 1927 escreveu a ‘Segunda Sinfonia’ e também começa a compor a sua ópera satírica ‘O Nariz’, uma das obras que começou a mostrar este seu lado crítico e sem receios de repreendas e censura por parte da sociedade e das forças politicas. Esta ópera é inspirada numa história e Nikolai Gogol e foi criticada como formalista pela ARMP (organização estalinista dos músicos) tendo por isso uma recepção fraca na sua estreia em 1930. Mais tarde compõe a ‘Quarta Sinfonia’, obra que tem uma grande influência da música de Gustav Mahler.

 Em 1934 compõe a ópera ‘Lady Macbeth do Distrito Mtsensk’, obra que teve um enorme sucesso na Europa e América do Norte mas que acabou por ser proibida na Rússia. É a partir desta obra que o compositor começa a sofrer pressões politicas devido aos padrões estéticos do chamado “realismo socialista”. Então em 1936 no jornal Pravda começa uma campanha de ataques ao compositor com acusações à ópera ‘Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk’ considerando a “grosseira, primitiva e vulgar”, campanha essa que se pensa ter sido ordenada por Joseph Estalin.

 

 Imagem

 Fig.2 – ‘Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk’

 

Devido a estas críticas ele tem um período de algum declínio no que diz respeito à execução das suas obras e de encomendas alterando também o seu poder económico. É também nesta altura que muitos dos seus amigos e familiares foram mortos ou presos com o Grande Expurgo. Com todos estes acontecimentos ele compõe em 1937 a ‘Quinta Sinfonia’, obra mais conservadora que os seus trabalhos anteriores. Esta é uma das obras mais populares do compositor e na altura foi bem aceite e fez com que Shostakovich fosse outra vez bem aceite como um compositor nacionalista e um pouco conservador. Nesta altura compõe também os seus primeiros quartetos de corda e é no contexto da música de câmara que ele tem mais liberdade para introduzir e experimentar ideias que seriam impossíveis nas peças orquestrais públicas. Continua a compor sinfonias mesmo durante o período da Guerra e termina a ‘Sétima’ e ‘Oitava’ sinfonias.

Em 1948 volta a sofrer nova censura juntamente com muitos compositores da época. A maioria dos seus trabalhos não foi apresentada e foram guardados, só depois da morte de Estaline em 1953 é que estas obras seriam apresentadas e estreadas e é também nesta altura que ele estreia a sua ‘Décima Sinfonia’. Em 1954 compõe a ‘Abertura Festiva’ que seria usada nos Jogos Olímpicos de Verão de 1980.  Tem uma pequena passagem pela politica que foi a sua inclusão no Partido Comunista da União Soviética, este é um acontecimento que altera um pouco o compositor e ainda hoje não se percebe se foi por vontade própria ou por obrigação. Compõe a ‘Décima Terceira Sinfonia’ também chamada de Baibi Yar, esta sinfonia tem grande carácter histórico pois fala do massacre dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, esta obra não foi banida mas foi bastante controversa. 

Imagem

Fig.3 – Shostakovich numa actividade do Partido Comunista

 

Nos últimos anos da sua vida sofre vários problemas de saúde mas nunca larga o vicio dos cigarros e da vodka. É nestes últimos anos que ele compõe a ‘Décima Quarta Sinfonia’ onde o tema principal gira em torno da morte e onde explora ao máximo a polifonia, a ‘Décima Quinta Sinfonia’ de 1971 é o oposto sendo melancólica e retrospectiva, nesta obra ele inspira se em Richard Wagner e Giachino Rossini.

Shostakovich morreu de cancro do pulmão em 1975 na cidade de Moscovo. A sua morte só foi divulgada na imprensa depois da autorização dos membros do Politburo.

A sua composição sempre se inspirou nos grandes nomes da música como Bach, Beethoven, Mahler e Berg e a sua linguagem é tonal mas com elementos de atonalidade e cromatismo. Um elemento curioso é a sua relação com Igor Stravinsky mantendo uma certa relação de amor/ódio com o compositor. Era uma pessoa com uma personalidade curiosa, sendo um homem bastante obsessivo e nervoso.

Esta foi sem dúvida uma das grandes figuras da história século XX. As suas obras tiveram um carácter histórico muito importante que na altura causaram grande impacto na sociedade. Esta personalidade ‘diferente’ mas genial marcará para sempre uma época e uma visão diferente e verdadeira da sociedade. As suas obras são bastante tocadas hoje em dia e as suas criticas encaixam perfeitamente perante o estado da sociedade actual. Este foi um homem realista do século XX que mostrou as falhas humanas e provou nos que a coisa mais bela criada por nós é a música.

“Não pode haver música sem ideologia” – Dimitri Shostakovich

Marco André Oliveira Araújo, a65960

A música e o ouvido Absurdo

Musical-Ear-Slide1A música é algo que naturalmente nasce conosco, mas não é tão simples quanto isso. O gosto musical é algo que é trabalhado, impingido e que se constrói desde o nascimento até à morte.

Se uma criança fosse criada de nascença sem ouvir qualquer tipo música ou ruído organizado pelo homem, quando esta chegasse à idade adulta, por exemplo, ela iria ter uma definição de música. Mas será   que essa definição seria a mesma que a nossa?

Muito provavelmente não! Se lhe apresentássemos uma das mais simples musicas de embalar, esta criança poderia rejeitá-la como música da mesma forma que os nossos bisavós rejeitariam muita da música que ouvimos no nosso dia-a-dia.

Ouvir música e gostar requer uma grande quantidade de treino.

A musica em ouvidos “destreinados” tem os mais diversos efeitos no publico, Pode criar sonolência, desagrado, aborrecimento, incompreenção, sensações mistas e sobretudo algum incómodo.

Os factores mais pesados na reacção auditiva do publico Geral são os seus próprios hábitos musicais. Tudo o que se ouve no quotidiano ao longo dos tempos é absorvido pelo cérebro, criando uma “realidade ou dimensão musical” que define o próprio conceito de música para o indivíduo. Esta dimensão não é estática mas como qualquer padrão de apreciação artístico, para aceitar algo “novo” precisa de uma adaptação gradual, caso contrário o ouvinte poderá rejeitar.

 

Da mesma forma esta dimensão musical também associa uma função prática à música no quotidiano do ouvinte. Este factor também exerce o seu peso no processo de validação individual da música. Para alguns pode ser um meio de relaxamento, para outros um meio de passar o tempo e para outros um meio de socialização. Para as mentes mais fechadas, o facto de a música colocar em causa a função da mesma para o ouvinte, é suficiente para poder tornar a sua audição menos confortável para o mesmo.

Por exemplo: já recebi comentários enquanto estudava oboé na pausa de almoço a dizer que a música que tocava era triste e se não podia tocar nada mais bonito, a obra em questão pode ser considerada bem acessível a nível auditivo mas mesmo assim foi rejeitada auditivamente por aquele indivíduo porque não cumpria o objectivo musical para ele (Animar,dançar,socializar) e auditivamente era demasiado diferente do que estava acostumado a ouvir para essa função.

O que a musica diz de nós??

Existe uma profunda ligação emocional entre o ser humano e a música, esta serve de reflexo dos seus sonhos, da sua ambição, sentimento e intelecto que ao ser passado para papel e por sua vez processado em som, se torna algo comum a todos os que a ouvem.

start-world-war-2-18

Quando alguém decide ir a um concerto, vai porque aquela música em especifico lhe diz algo, tem algo com que se identificar e/ou outro factor que lhe transmite prazer ou simplesmente o intriga.

Esta capacidade de interagir e criar reacções nos ouvintes nunca passou despercebida e foi até explorada durante a segunda grande guerra como meio de motivação e influencia nas grandes propagandas com intenção de gerar “paixão” na população e aumentar o número de voluntários para combate ou denegrir socialmente certos grupos étnicos.

Não só a música teve peso na história bélica mas também a própria guerra moldou e distorceu a música assim como a face da sociedade e do mundo.

A música contemporânea é talvez de toda a musica até hoje escrita a mais dificilmente “digerida” pelos ouvidos do publico geral, soando-lhes demasiado dissonante e complexa para ser assimilada como música dentro dos seus padrões próprios. Acredito que em outros tempos fosse mais mais fácil a adaptação auditiva à nova música pois os próprios meios de divulgação musical eram de importância mais elevada e as pessoas eram sujeitas a uma cultura musical mais atenta. Hoje em dia com toda a facilidade de acesso, divulgação musical e artística em geral, tenho como opinião, que começa a surgir um espécie de preguiça cultural pois é demasiado fácil apreciar-se apenas aquilo que nos agrada e dar menos atenção ou deixar de lado aquilo que até podemos gostar mas está um pouco fora do nosso padrão de gosto e dá trabalho adaptar.

Porquê que gostamos de música??

Como foi referido anteriormente, uma pessoa desenvolve gosto por um determinado estilo de música porque encontrou algo com que se identificar ou de seu agrado na mesma. Se apresentarmos uma sequência musical a um publico que não encontre os pilares do seu gosto musical, quer sejam consonância, certas progressões harmónicas, ritmos ou apenas associações a outras temáticas devidamente explicadas, o publico pode sentir-se perdido numa salada de sons e timbres estranhos, levando à incompreensão desta e em alguns casos a rotulação da mesma como “barulho sem sentido”.

images

Da mesma forma que quando se sai de um quarto escuro para a rua se é ofuscado pelo sol e se fica com a sensação de confusão e cegueira, diferentes tipos de música podem ter esse efeito em ouvidos não acostumados.

A única forma de adoçar este grande e azedo limão que é a música contemporânea e não só, é divulga-la e continuar a ouvir por muito que doa.

 

António Filipe – A65959

O Coro Virtual, criação de Eric Whitacre

Imagem

http://www.ted.com/talks/lang/pt/eric_whitacre_a_virtual_choir_2_000_voices_strong.html

Eric Whitacre, nascido e criado numa pequena cidade agrícola, de Nevada, sempre teve o grande sonho de se tornar uma estrela pop-rock! Apesar de tocar sintetizadores e baterias electrónicas, este não sabia ler música e por isso ainda teria um longo caminho a percorrer. Quando entrou para a faculdade, na Universidade de Nevada, Las Vegas, com 18 anos de idade, foi convidado pelo maestro coral, que sabia que ele cantava, a participar no coro. Eric aceitou, mas, após pensar melhor, achou que aquilo não seria o melhor sítio para ele pois na sua ideia de coro as pessoas que o compunham eram muito estranhas e nada tinham a ver consigo. Incentivado por um amigo através de interesses, como viagens pagas pelo coro e a existência de raparigas bonitas no coro, Eric Whitacre decide ir à sua primeira aula de coro! Nessa primeira aula, Eric junta-se ao naipe dos baixos e tenta acompanhá-los naquilo que estão a fazer: estes abrem as partituras, e quando o maestro dá a entrada todo o coro se lança no Kyrie do “Requiem” de Mozart. Eric define este momento como a experiência mais impressionante que alguma vez teve, uma experiência tão transformadora que para ele tudo tinha passado de “Preto e Branco” para o surgir das cores vibrantes. Aquele momento em que todas aquelas pessoas cantavam, em conjunto, numa visão compartilhada, fê-lo sentir que fazia parte de algo bem maior do que ele próprio. Uns anos mais tarde, e depois de ter aprendido, lentamente a ler música, decide escrever uma peça para coro como presente para este maestro que mudou a sua vida! Esta peça é publicada e depois de compor e publicar outra peça, Whitacre inicia-se como maestro acabando por fazer o seu mestrado na Juilliard School. Agora, é considerado compositor e maestro profissional de música clássica!

Um dia, através da descoberta de um amigo, visualiza um vídeo na Internet que lhe é dedicado por uma jovem, a cantar a linha de soprano de uma das suas peças, “Sleep”, ficando bastante surpreendido, pois era a demonstração da sua música a partir de uma voz tão pura e de um vídeo tão inocente e familiar. Assim, Eric Whitacre tem uma ideia: fazer com que várias pessoas, de vários cantos do mundo, fizessem o mesmo que esta jovem, cantassem as suas partes (soprano, alto, tenor ou baixo), colocassem o vídeo na Internet (YouTube) e depois juntá-los-ia todos criando um Coro Virtual! Eric enviou o pedido aos cantores, após tornar grátis o download da música escolhida que escreveu no ano de 2000, “Lux Aurumque”, que significa “Luz e Ouro”. Para as pessoas conseguirem gravar este vídeo teriam que seguir um outro vídeo do próprio Eric Whitacre, onde este dirigia, em silêncio absoluto, toda a peça e onde ouviam uma faixa de piano a acompanhá-los. Depois os vídeos começaram a surgir… Mais tarde, quando começou a comunicar com os cantores envolvidos neste grande projecto, Eric soube que às vezes gravavam 50 ou 60 vezes a sua parte até conseguirem a gravação perfeita que de seguida colocariam na Internet.

http://www.youtube.com/watch?v=D7o7BrlbaDs

 

Quando ouviu todas as vozes juntas, sincronizadas, tudo pronto, Whitacre sentiu-se muito orgulhoso e até se emocionou. O vídeo final teve imenso sucesso na Internet e os cantores esperavam e pediam por um Coro Virtual 2!! Assim foi… Eric Whitacre, para o Coro Virtual 2, decidiu-se pela peça que deu forma a esta surpreendente ideia, a música que outrora uma jovem cantou sozinha dedicando-a a ele, “Sleep” composta também em 2000, com poesia de Charles Anthony Silvestri. Após, mais uma vez divulgar o seu vídeo a dirigir a peça e aceitarem inscrições, começaram a surgir vários vídeos. Desta vez ingressaram nesta aventura pessoas de ainda mais variadas idades, mais maduras, mais novas (até de apenas nove anos de idade)… No fim, chegaram ao grande número de 2.051 vídeos, oriundos de 58 países diferentes, como Malta, Madagáscar, Tailândia, Vietname, Jordânia, Egipto, Israel, Alasca, Nova Zelândia….

http://www.youtube.com/watch?v=6WhWDCw3Mng

No Facebook, os cantores deixavam os seus testemunhos em relação à importância e experiência deste projecto, sendo que para eles a comunicação e interligação que conseguiram a cantar todos juntos de diferentes lugares foi algo inesquecível e inexplicável. Eric Whitacre também revela que com este projecto percebeu que as pessoas vão tão longe quanto necessário para se relacionarem com os outros, não importando a tecnologia que utilizam; constatou, também, que a ligação que estas pessoas sentem é real, elas tornaram-se amigas na Internet mesmo sem nunca se encontrarem, sendo que, ele próprio também diz sentir esta ligação com todos eles. Ele sente-se tão próximo deles que estes são como se fossem uma família! Com tudo isto, este projecto não parou e já vai na preparação do Coro Virtual 4, com a peça “Bliss” sendo que o Coro Virtual 3, através de 3.746 vídeos de 73 países diferentes apresentaram a peça “Water Night”.

http://www.youtube.com/watch?v=V3rRaL-Czxw

Este projecto demonstra o quanto a música é universal e a força de ligação que esta causa nas pessoas e nas suas relações!!

 

Carla Manuela Fernandes Marques

a63622

Sociologia da Arte

Licenciatura em Música – Área Vocacional de Direcção Coral

Intituto de Letras e Ciências Humanas – Universidade do Minho